segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Alegoria

                              A vaca - cartão, papel de seda, tinta e linha



A vaca gorda, premiada,
Vaca leiteira,
Mimosa, mansinha,
Chega de mansinho como quem não quer nada.
Eta vaca bonita!
Tratada, lustrosa, escovadinha,
Dá até gosto,
Os olhos se lambem de vê-la.
A vaca carnuda, encantadora,
Vaca madura,
Manhosa, malhada,
Vem com o focinho rasteiro ruminando o pasto.
Vem pisoteando braquiárias,
Não sobra verde, nem grama, nem nada
Somente esterco.

Mike Rodrigues

sábado, 18 de dezembro de 2010

A melodia dos números

De letra em letra se empilha a pedra
No altar venerado, exaltada.
De n° em n° se equaciona a poética
No intocável alto, sagrada.
De alma desprovida a pedra, muda, não muda.
Os números sem sentido soletram letras que dizem:
- NADA.

Mike Rodrigues

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ora pro nobis

Ave Matilda.
Desbastada de graça,
Tão vazia tão gasta.
Rota e encardida.
Do riso não mais goza,
Na vida não se acha,
No tempo se perde.
Padece a esperar pelo cavalo negro
Da hora de sua morte.
Amém.

Matilda de Azevedo

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Noite

Perco-me no deleite de um drink colorido.
Mascaro minha dor com um copo de conhaque
Barato, falso.
Danço sozinha ao som de uma marcha fúnebre.
Choro, rio, grito, calo-me.
Trago um véu de fumaça maldita,
Relaxo.
Saio pelas ruas desertas, deserta.
O frio da cidade me abraça.
Meu espírito segue gélido sem rumo.
Estou só em meio de muitos,
Esquecida.
Nem minha casa me reconhece.
Caio na cama e durmo,
Por uma noite apenas.
Espero silenciosa e impaciente pelo sono eterno.

Matilda de Azevedo

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Entre Montanhas

Cidade pacata, janelas abertas
Portas destrancadas.
Uma brisa leve perambula por entre montanhas altas,
Cercados estamos num vale de sombras,
Trancados.
As pessoas arrastam-se lentas pelas ruas,
Como vermes no pedaço de carne que habitam.
Contra o céu nublado salpicado de algodões,
Um pássaro se estende ao infinito
Planando calmo ao Sol tímido.
Os vermes param e admiram-no estupefatos.

Matilda de Azevedo

domingo, 5 de dezembro de 2010

Regência

Há na beira na noite um homem a se balançar,
como que a beber caliências do beiço de uma mulata.
Há nas ruas, entre vômitos e ratos, ratos mais baixos que os que os são.
Há o caos, a cidade, mas não hão, apenas há.
Há as putas, os padres, há os ônibus e hemos nós,
não, não hemos, apenas há.
Há as danças e as farsas,
as bebidas e os brindes.
Há as crianças e os cachorros,
em pé de igualdade.
Mas não haveis, somente há.
Há somente.
Isso basta para que durmamos
e sonhemos,
enquanto lá fora há,
há um mundo que não haverá.



(12/08/10)

Mike Rodrigues

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cerne

                                          Foto por: Mike Rodrigues

Estou sentindo na boca
Sabor de fruta fresca
(rubra como o sangue que em mim pulsa),
De vida e de saliva.
O vento, calmamente,
Em meu cabelo faz moradia.
Estou a me unir com a relva,
Meus monstros aos poucos se difundindo
Feito água.
Esse sentimento...
Se materializando e se liquefazendo,
Me inundando.
O Sol a aquecer meu couro
Tão judiado.
Estou a descansar como paz pura e plena,
Aninhado no seio de Gaia.


    (03/12/10)

Yuri Mushrock

Campus

Aqui finquei-me
E aqui fiquei,
Mas onde fui meter-me?
Nesses poucos metros quadrados de redundâncias,
De perguntas robóticas
E respostas decoradas,
De sorrisos amarelos
E falta de versos.
Esse excesso de verde
E abstinência de vida,
Esse calor que me retarda,
Essa lacuna de calor que me aqueça.
Aqui finquei-me
E sequei,
Tornando-me mais discrepante
Das árvores que nos alamedam.


(30/11/10)


Mike Rodrigues

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Vegetação

P(r)onto!
Hoje r     u
         a  g  e
           s      i a jaula de papel,
enfraquecida pela chuva do(s) campu(/o)s,
ressecada pelo Sol que nos torra
e cá estamos,
à sós,
sobre os sóis,
desidratando-nos.
Agora estou livre
para me tornar árvore,
tornar-me celulose
em raízes,
primeiramente
tornar-me-ei semente
somente
na mente,
não estou a mentir.
Regue-me com nuvens,
alimente-me com luzes,
Eu crescerei
com folhas V(v)içosa(s)
deformando as calçadas.


(01/12/10)

Mike Rodrigues

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Trocadilha

Quase me derreti no calor desse campus,
Me esparramei, me derramei
E molhei os campos.
Quase me tornei poça
Na qual já estou desde quando?
Nessa fossa,
É essa força,
Ou esse campo?
Esse anseio:
Ter-te contra o seio,
Ver-te dentro do meu campo.


(30/11/10)

Mike Rodrigues

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Antemanhã

Madrugada nua, gélida e cirúrgica,
Quem te debulhou hora a hora,
Como pétala a pétala,
Tuas verdades mais absurdas.
Somos todos filhos de suas delícias,
Hipnotizados pela violência de teu silêncio.
Sempre a nos vigiar com teu olho satélite,
Tu governas imaculada
Desde os nossos sonhos às nossas prostitutas.


(06/06/10)

Mike Rodrigues

domingo, 28 de novembro de 2010

Quadro

                                         Foto tirada de http://www.biocientista.com


Da janela de minha casa vejo o mundo.
Vejo sempre a mesma manga amarela,
Vistosa, suculenta, convidativa, simplesmente pronta.
Lá ela sempre esteve, sempre estará,
Constante, absoluta.
Ninguém ousa tocá-la,
Nem os pássaros,
Ainda que todos a almejem.
Hoje, porém, não a vejo.
O dia nublado bloqueia minha visão.
A janela embaçada é tudo que tenho.


(2008)


Matilda de Azevedo

sábado, 27 de novembro de 2010

Antemanhã

Madrugada nua, gélida e cirúrgica,
Quem te debulhou hora a hora,
Como pétala a pétala,
Tuas verdades mais absurdas.
Somos todos filhos de suas delícias,
Hipnotizados pela violência de teu silêncio.
Sempre a nos vigiar com teu olho satélite,
Tu governas imaculada
Desde os nossos sonhos às nossas prostitutas.


(06/06/10)

Mike Rodrigues

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Monólito

Uma estátua de mármore,
Gigante e bela apenas,
Estética pura,
Beleza em pedra fria.
Em praça pública ela se estende,
Esguia, lânguida, esbelta.
Sua silhueta contra o poente
Manchado de tons quentes.
Os transeuntes a admiram
De longe.
Olhos atentos tentando
Capturar uma migalha de sua perfeição,
Olhos gulosos,
Invejosos olhos,
Ávidos, desejosos, quase cheios de volúpia.
Nasce o Sol, gira a Terra,
Cresce a Lua, desce a chuva
Sobre as costas desenhadas da escultura.
Passam-se os segundos,
Perde-se a juventude,
Vão-se os transeuntes,
Mas a pedra fica.


(08/09/10)

Matilda de Azevedo

Visto


Vôo alto por nuvens macias
Com meu belo guarda-chuva azul.
Pouso em terras estrangeiras,
Em meio a selvas virgens
E araras de plumas exóticas.

Alimento-me das frutas silvestres,
Como companhia, tenho as árvores dos bosques
E todos os seres que as habitam,
E todos os seres que me co-habitam.

Deslumbro-me com folhas suculentas,
Vistosas e extravagantes,
Com animais diversos
Em seus trajes de gala.

Há tantas cenas exuberantes
Perdidas nos grilhões de nossas mentes.
À minha volta, as maravilhas se misturam
Em uma espiral acelerada.

Nunca aceitarei a verdade parda
Que nessa terra de riquezas
Serei sempre mera visita.



(19/05/10)

Yuri Mushrock

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A fuga

Vou-me embora para alhures,
Dize a minha amada que saí para comprar cigarros.
Talvez ela nem pergunte, deve estar entretida
A assistir a novela das oito.

Cansei dessa vida monocromática,
Quero uma profusão de cores
Explodindo em formas caleidoscópicas.

Quero comidas sem conservantes,
Sem glutamato monossódico,
Sem plástico nem condimentos.

Meus olhos anseiam por cenas excêntricas,
Por dragões de cômodo
E aves-do-paraíso.

Serei como a água dos rios,
Sempre em movimento
Em direção à imensidão dos oceanos.


(19/05/10)

Yuri Mushrock

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Gotas

                                                                     Foto por: Mike Rodrigues
                   
                     
A chuva cai majestosa,
Não se importando com os transeuntes
Encolhidos como pássaros indefesos.
Cada gota ensurdecedora
Ecoando no silêncio do meu vazio,
Tilintando como um sino,
Como um sinal, um aviso.
Cada gota, uma memória,
Uma lembrança
Inundando minha mente já confusa
E cansada,
Trazendo-te em cada onda.
Cada gota como um prego
Fixando-te em minha carne,
Minha vida pregada a tua
Por uma tempestade inteira.


(22/11/10)


Mike Rodrigues


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Retrato         20/11/10

Daqui do alto és tão pequeno,
Tu com teus humores:
Vítreo, aquoso e ácido.
Tuas moedas jogadas ao chão
São apenas pontos brilhantes contra o pó.
São teus únicos pontos brilhantes,
Já que nem teus humores se iluminam,
Frente a isso que chamas de vida.
Ser-humano de lamúrias e versículos,
Nem a fumaça de teus cigarros te sustenta.
Nem a chuva, que ao campo molha, te alicia,
Pois não conheces a umidade,
Além de fluidos corpóreos.
Logo tu que viveste como poucos,
Acabaste como muitos.
Tu que foste tão intenso,
Hoje se confunde com teu quarto vazio e cirúrgico.
Daqui do alto és tão resumido,
É-me preciso mais que meus três humores
Para que eu possa (descre)ver-te.


Tons de cinza             21/11/10

Através da minha janela
o mundo caminha
revestido de luzes que piscam,
celebrando o nascimento, a vida.
Eu aqui
definhando aos pouquinhos
em cada gota de chuva que pinga,
esperando que as gotas venham
de outro lugar que não o céu.
Eu aqui
cozinhando lentamente
nesse mormaço,
nesse fumaça quente
de trago em trago.
Minhas mãos fedendo a cinzas,
desperdiçando-me de dose em dose nesse marasmo,
nesse silêncio, nesse vácuo.
Eu que mesmo sendo muitos
me perdi em mim mesmo
e tornei-me vazio.

Mike Rodrigues

domingo, 21 de novembro de 2010

Companheira de partida

Como um filete longo ela sobe,
Serpenteia,
Descrevendo figuras enigmáticas enquanto dança.
Nunca poderei decifrá-la,
Por mais que me encante.
Quente como um afago,
Pálida como uma lembrança.
Pelo ambiente ela se dilui
E me abraça.
Confunde-me com sua asfixia doce
E espera serena por uma companhia.

Matilda de Azevedo

Fearless

Aquele medo velado
Que me domina as falanges,
Que vem em forma de insegurança,
Decidi dobrá-lo e enterrá-lo
No mais abissal do meu inconsciente,
Perto dos casos de infância,
Dos antigos amigos,
Dos fatos que esqueci por escolha,
Das minhas negações,
Da saudade do que ainda não tive,
Da saudade do que tenho,
Da saudade do que ainda terei (?),
Da saudade de ti,
A que não admito, mas que me controla vitalmente.
Perto dos poemas que nunca nasceram
Ou dos que nasceram, porém não vingaram
Ou dos que vingaram, porém não foram guardados.
Todos eles serão vingados.
Estou me permitindo,
Sendo um pouco indulgente.
Tantos são os que falam em liberdade poética,
Tantos são os que falam,
Poucos os que escutam.
Eu que tenho tanto criado,
Meu Deus o que mais eu poderia pedir?
Mas sim, eu peço! E não só pouco,
Não me contento, peço agora
E pro futuro,
Peço você.
Não peça nem pedaço
Nem devagar nem em doses,
Quero intensamente e por inteiro.
Mais até do que eu me permito,
Mais do que deveria pedir,
Mais até do que poderia me ser dado.
Apenas hoje, eu prometo (de momento),
Deixe-me ser prolixo
E preencher essa lacuna com minhas letras.
Dê-me essa poesia arrastada,
Longa, mas ensandecidamente verdadeira.
Deixe-me aproveitar-te por completo,
Mais do que por pensamentos e lembranças,
Mais do que por píxeis ou mensagens.
Deixe-me abusar e acordar arrependido,
Aproveitar que aquele medo
Ficou perdido distante desse momento,
Enterrado no começo da minha escrita.


(20/11/10)

Mike Rodrigues

sábado, 20 de novembro de 2010

Companhia

Eu do passado
Sentado ao teu lado,
Dividindo batatas e amores,
Livros e palavras,
Em algum lugar remoto
Perdido nas horas e voltas corridas.
Agora nos olhamos
No entanto não mais nos vemos,
Perdemos a capacidade de passar
Através do corpo
E enxergarmo-nos como almas.
Talvez faltaram-nos diálogos.
Assim permanecemos
Nessa situação enleada,
Seja qual for o nome
Que decidimos chamá-la.
Estamos a esperar
Que nossos eus do futuro sentem
Lado a lado
Para compartilhar um sorriso.


(19/11/10)

Mike Rodrigues

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Reunião

Cá estamos nós jogados numa sala escura
Trancados com nós mesmos,
Com pares de olhos curiosos.
Calados, trancados numa sala,
Vazios, vazia.
Respiramos atônitos o ar que ainda nos sobra.
Alguns tombam
A sala permanece.

Matilda de Azevedo

Poema gelado


Sim, de fato hoje te beijo
Na face que outrora estapeei
E com os mesmos lábios
Que a outros agora molham.
Porém, dos regalos que me deste
restaram apenas a matéria
por trás das antigas memórias.
Não escuto teus soluços
(eu nunca mesmo solucei)
E basta não mais que uma taça
Para preencher todo o teu vazio
(visto que nunca foste ausência).
Não é teu toque que sinto
Quando a pele me ouriça,
Não, não são tuas carícias
A causa de meus arrepios.
Siga tua vida de lembranças e passado,
Sofrida,
Pois não é em ti que penso,
Quando me masturbo.


(18/11/10)

Mike Rodrigues

P.S.: Esse poema não apresenta nenhuma ligação com algum fato ou sentimento por mim vivenciado, tratando-se apenas de expressão poética.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Madonna


Fé em Deus e pé na tábua,
Recito como um clichê as rezas das igrejas,
Instituições decrépitas forradas de ouro...
Dos tolos.
Jesus me acuda ou Maomé ou Buda
Ou quem me convir.
A blasfêmia, o profano
Só se consuma a quem acredita.
Sou mais que carne,
Mais que alma,
Sou mais que ele,
Mais que ela,
Mais que sexo,
Sou poesia.


(27/06/10)

Mike Rodrigues

Inevitável

                                                   Foto por: Mike Rodrigues



Encontro-te além das montanhas,
Perto da linha do horizonte,
Onde o céu toca a terra,
Onde não sabemos quem se beija
Nos beijaremos.
Lá onde a estrada bifurca
Para o amor e a obsessão,
Deixaremos a escolha para o momento.
Lá onde os pássaros são pontos
E os pontos infinitos.
Lá onde as paisagens são mais belas,
As águas mais limpas,
As flores mais viçosas.
Lá onde seremos mais que dois,
Seremos um só.

(17/11/10)

Yuri Mushrock

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O jardim


As flores balançam contra o vento.
No jardim tudo parece plástico e impecável
Como sorrisos.
As formigas trilham seus destinos, labutando apáticas,
Constantes e conformadas.
As folhas caem na grama recém cortada.
De súbito o vento cessa.
As flores plásticas.
As formigas quedam.
O jardineiro recolhe flores para seu ramalhete
Sorrindo estupidamente como seu jardim.

Matilda de Azevedo

Le petit oiseau vert


Oh passarinho verde,
Não estou feliz por ter te visto,
Na verdade, tu que me viste.
E agora, estás pousado
em algum galho florido
cantando as canções
que roubaste dos meus lábios sorridentes.

(16/11/10)

Mike Rodrigues




Confesso


Lembro-me que lá fora o mundo prosseguia
Comendo confetes molhados de salivas
E regados a bebidas.
Meus tímpanos vibrando num beat frenético,
Meu coração em perfeita sintonia,
Meu cérebro em absoluta diacronia.
Confesso que naquela noite não sabia o teu nome.
Muito menos o meu.
O que nunca te disse, no entanto,
É que quando nos beijamos
O mundo em baixo dos meus pés se estagnou,
Sem rotação ou translação
E assim ficou,
Tendo como único movimento o som que o ar cortava.
Também, quando repousei minha cabeça cansada
Sobre seu colo cansado,
Enquanto eu ressonava em total desaviso,
Mesmo não bonita sendo a cena,
Por um momento senti-me parte de algo perfeito.

A última vez que nos beijamos
O tempo parou naquele dia
E vivi oito meses sem realmente ter vivido,
Acho que apenas existi.

Então você me reaparece,
A chuva volta a cair na terra,
Trazendo, quem sabe, sinal de boas colheitas.
O frio que outrora me arrepiava a espinha, agora
Contra o calento de teu corpo despido,
Não representa ameaça alguma
De me encurralar em uma noite escura e vazia.
Sinto-me capaz de pular e nunca mais tocar o solo,
Como se não mais existisse forças atrativas,
A não ser a que atrai nossos olhares e anatomias.

(11/11/10)

Mike Rodrigues