quarta-feira, 29 de junho de 2011

Primavera

Primavera fez-me visita
Numa madrugada insone d’inverno
E sua visagem de mistério
Fez brotar um sorriso de minha esterilidade.

As horas mudas no seio da noite,
Guardadas há séculos pelo olho satélite,
Transformaram todas minhas metáforas
Em grandes devaneios, loucuras.

Primavera adentrou minha janela
E com ela o frio de su’alma,
Beijou-me de leve por dentro
E fez pulsar em mim algo sôfrego.

A violenta saudade do que não conheço
Afoga-me em meus versos rasos,
A lucidez se apaga feito luz fraca
Tal qual vela por um vento gélido soprada.

Primavera desfez os nós de minhas tranças,
Despiu-me e me deitou em meu leito,
Com suas asas negras cobriu-me maternalmente
E fui o ovo do pássaro, por aquela noite ao menos.

(25/06/11)

Mike Rodrigues

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Café

O aroma agradável do café m’embriaga as narinas,
O vapor quente que sobe m’embassa as lentes,
O gosto doce e forte m’entorpece as papilas...

O tédio dessa cidade miúda é quase palpável
Refletido nos rostos de todos seus cidadãos.
Copas robustas bailam regidas a vento.
A calmaria desse recanto pacato é quase estúpida
Reproduzida nas máscaras de todos seus habitantes.
Pássaros canoros silenciam-se a ferro.

O café esfria na mesa
Enquanto o poeta escreve um poema.

 (20/06/11)

Mike Rodrigues

terça-feira, 21 de junho de 2011

Miragem

Tua espada
Tua espuma
Tua pele
Meu casaco
Tua mente
A imagino
Quando preso
Em teu braços


Tua brisa
Teu arfar
O meu vento
Tua vida
A compartilho
Quando em mim
Respiras lento

Tua boca
Tua saliva
Teu umbigo
Meu oásis
Tua língua
A decifro
Quando dentro
De teus enlaces


Tua escultura
Teus músculos
Minhas muralhas
Teu alfanje
Rijo e férreo
Quando rubro
Ardendo em brasas

Teu ventre
Teu relevo
Teus cabelos
Meu veludo
Tua alma
Leve e quente
Quando em ti
Encontro o mundo.



Mike Rodrigues

domingo, 19 de junho de 2011

Versos rubros

T'encontro doce ser
E em ti derramo o vento
Pr'amenizar o teu furor,
O calor de teus desertos;
Acalmar teus sóis insanos
Qu'a mim abrasam a carne,
Essa loucura, teus delírios
Difundindo por minha pele;
Beber por tua boca
sopro de tua energia em flor,
gole de teu cerne, teu amor,
tua vida e meu tormento.

Mike Rodrigues

terça-feira, 14 de junho de 2011

“Breve é a loucura, longo o arrependimento.
Friedrich Schiller

Contra a escuridão de meu quarto
Meu corpo se incandesce,
Ruboriza-se feito brasa,
O suor se calefazendo sobre a carne.
Tudo se une lento e sôfrego,
Num ritmo ditado por dois maestros.
Tudo se mistura feito fluido,
Ao mesmo tempo em que se faz rijo
Feito músculo.
Lábios, pernas, nádegas, tórax, mãos, línguas...
Anatomias tal quais pinturas,
Belas e obscenamente perfeitas.
Representações idealizadas
De movimentos simulados.


(17/02/11)


Mike Rodrigues

sábado, 4 de junho de 2011

Flores

                                                                      Foto por: Mike Rodrigues

Cortei todas as flores do canteiro
Porque eram mais felizes do que eu
Deitei-as em minha cama num outeiro
Como que par'um último adeus.

Não permitirei que virem frutos
Assim como eu nunca frutifiquei,
Pois as sementes de meu ventre em luto
São gametas qu'eu mesmo inventei.

As flores mais felizes do jardim
Agora jazem dentro do quarto meu,
E comigo d'agora até o fim
são o qu'o silêncio nunca preencheu.

As flores mais bonitas do jardim
Agora coroam alguém que morreu,
Deitadas eternamente junt'a mim
Adornam o túmulo que é meu.

(02/06/11)

Mike Rodrigues